Ao terminar o seu mandato enquanto presidente da Direção da SPPCV, no biénio de 2019/2020, Miguel Casimiro, neurocirurgião, faz uma avaliação “francamente” positiva da prestação da equipa que, consigo, assumiu este desafio. Se, por um lado, a pandemia limitou a atuação da sua Direção, por outro, também fez com que se reinventasse, tendo cumprido os objetivos.
Confessa-se “obcecado” pela formação. Considera que “médicos atualizados e treinados são médicos competentes e que doentes informados contribuem, ativamente, para a prevenção e recuperação dos seus problemas”. Por essa razão, defende que esta é uma das grandes missões da SPPCV.
Ao novo presidente, o ortopedista Nuno Neves, Miguel Casimiro deixa o “desafio enorme” do crescimento político da sociedade, no sentido de “ter uma voz ativa perante os órgãos de decisão política”, em prol da melhoria das condições, tanto para doentes, como para profissionais de saúde.
Terminou agora o seu mandato enquanto presidente da SPPCV. Qual o balanço que faz deste biénio?
Miguel Casimiro (MC) – Num cargo como o de presidente, da que considero ser já uma importante organização, o verdadeiro balanço deve ser feito por aqueles para quem trabalhei, ao longo destes dois anos.
No entanto, e tal como sempre faço em relação a tudo em que me envolvo, não consigo deixar de fazer uma avaliação crítica, e que tento desapaixonada, do meu desempenho.
Na primeira reunião da equipa da Direção que reuni, estabelecemos as linhas mestras da atividade para os dois anos: aproximar a Sociedade, não só dos seus membros, mas também da restante comunidade médica; reforçar o papel da SPPCV na educação para a saúde da sociedade civil; expandir o número de sócios; aumentar e tentar melhorar em qualidade as atividades formativas da nossa Sociedade sem, em conjunto, colocarmos em risco a sua estabilidade financeira. Creio, sinceramente, que, apesar do contexto pandémico que se abateu sobre todos e das dificuldades daí inerentes, o balanço foi francamente positivo.
Atingiu os objetivos a que se propôs?
MC – Não atingi. Atingimos. Falo como membro de uma equipa fantástica, em que cada elemento desempenhou, com enorme brio, as tarefas que fomos definindo ao longo do mandato.
Em relação aos objetivos definidos e enumerados acima: estabelecemos parcerias e desenvolvemos projetos comuns com as sociedades de Medicina Geral e Familiar, com neurorradiologistas, médicos da dor e fisiatras, para além da já existente relação com as nossas Sociedades maternas, as sociedades portuguesas de Ortopedia e Neurocirurgia.
Estabelecemos parcerias com sociedades de enfermagem, profissionais com quem lidamos diariamente e que complementam a nossa atuação perante os doentes, com patologia da coluna; aumentámos significativamente os números de novos membros e somos, hoje, uma Sociedade maior, mais relevante e o fórum preferencial de debate sobre todos os assuntos relacionados com a patologia da coluna, não só para a comunidade médica e científica portuguesa, mas também para a indústria e para comunidade civil; aumentámos as oportunidades de formação, para os nossos membros, com a criação de um novo programa de formação, que decorre ao longo do ano e com a realização de um congresso anual, em vez do tradicional congresso bianual; a aposta nos meios de comunicação e redes sociais, com um intuito de educação para a saúde foram um sucesso de partilhas e visualizações, de um conjunto de mensagem simples, diretas mas relevantes; deixámos ainda a Sociedade financeiramente desafogada, mais reforçada e apetrechada para outro tipo de desafios que as próximas direções pretendam desenvolver em prol de todos nós.
Enfim, apesar de existirem sempre tarefas por fazer, ideias por ter, iniciativas goradas pelas circunstâncias, creio que atingimos os objetivos a que nos propusemos.
Quais as principais atividades levadas a cabo pela Direção que presidiu?
MC – Tenho uma obsessão confessa pela formação. Médicos atualizados e treinados são médicos competentes. Doentes informados são doentes que contribuem ativamente para a prevenção e recuperação dos seus problemas.
No seu conjunto ambos contribuem para uma melhor saúde. Esse é o objetivo principal desta Sociedade. Por este motivo, do conjunto de atividades que desenvolvemos, creio que a criação do programa de formação continua e a organização com enorme sucesso de dois grandes congressos anuais foram as iniciativas que mais prazer me deram. Foram oportunidades de troca de ideias, de estabelecimento de consensos e de atualização para cirurgiões, médicos de saúde geral e familiar, enfermeiros, entre outros, que contribuíram seguramente para a melhoria dos cuidados de saúde nesta área.
Um outro momento especial foi a institucionalização de uma medalha de mérito da nossa Sociedade. O mérito não é fácil, não é banal e deve ser reconhecido, louvado e respeitado. Sempre fiz questão em o reconhecer e foi com muito prazer que formalizámos, desta forma, um momento de homenagem a todos aqueles que, de entre nós, se destaquem pela excelência. Parabéns ao Professor Jorge Mineiro, o primeiro a receber este especial louvor, e a todos aqueles que o mereçam receber no futuro.
Considera que a pandemia Covid-19 colocou em causa a qualidade do tratamento da patologia da coluna vertebral em Portugal?
MC – Ainda não possuímos dados concretos para analisar, mas creio que ninguém tem dúvidas quanto a isso. O cancelar da atividade assistencial de rotina do nosso Sistema Nacional de Saúde, em março; o adiar ou cancelar da cirurgia programada; a dificuldade assistencial a todos os níveis, a começar pelo acesso mais básico aos centros de saúde, limitaram a prestação dos cuidados de saúde, apenas às situações mais graves e inadiáveis.
Sendo que a maioria das cirurgias e tratamentos nesta área se destinam à melhoria da qualidade de vida, à mitigação da dor e da incapacidade funcional e não ao salvar da vida de forma imediata, esta pandemia deixou seguramente uma quantidade enorme de doentes desapoiados, num momento de sofrimento que não pode deixar ninguém indiferente.
As listas de espera vão aumentar e a situação já difícil vai complicar-se ainda mais, seguramente, nos próximos meses, se não forem tomadas medidas extraordinárias. Infelizmente, dado o contexto ainda difícil, parece-me que tal será difícil de implementar de forma célere e eficaz.
A SPPCV patrocina a publicação periódica de um estudo sobre o panorama nacional do tratamento cirúrgico da patologia da coluna vertebral. Seguramente que nos mostrará, de forma mais objetiva, a repercussão desta pandemia na nossa atividade cirúrgica nas suas próximas edições.
De que forma a pandemia impactou a sua atuação enquanto presidente da Sociedade?
MC – Inevitavelmente, houve impacto na atividade da Sociedade. Tudo mudou. Todo o plano de atividades e, fundamentalmente, o modelo de implementação dessas atividades teve de ser revisto e alterado. A participação da nossa Sociedade em múltiplos congressos internacionais foi cancelada. Alguma das nossas reuniões nacionais foram também elas canceladas ou adiadas e, com muita pena nossa, o Basic and Advanced Iberian Spine Diploma, com o patrocínio da EuroSpine, não se pôde realizar. As boas notícias são que estes já estão em marcha para 2021.
Mas nem tudo foi mau. A dificuldade aguça o engenho. Em colaboração com a SILACO, promovemos e participámos em numerosos webinars, encontrando aqui uma nova forma de chegar aos nossos membros com conteúdos de formação de muito boa qualidade. Esta parceria, para além de possibilitar mais oportunidades de formação, estreitou como nunca as nossas relações com as sociedades congéneres ibero-americanas. Ainda, ao insistirmos na ideia de manter o nosso congresso anual, adaptámo-nos tecnologicamente e organizámos um evento totalmente virtual, permitindo um congresso dinâmico, o mais participado da nossa história, uma excelente participação de convidados internacionais com menor pegada ambiental. Ainda criámos um conjunto de novos vídeos educativos que poderão ser revistos e consultados por todos, mesmo os que não puderam, na altura, acompanhar a reunião ao vivo.
Tudo isto se transformou em enorme vantagem para todos. Obviamente, existiram constrangimentos financeiros, numa altura que todos se ressentiram, mas, até nesse aspeto, a nossa reunião foi um sucesso.
Qual a sua opinião acerca do estado da arte do tratamento e do seguimento do doente com patologia da coluna vertebral em Portugal? Está ao mesmo nível da Europa?
MC – Não tenho qualquer dúvida que o tratamento, do ponto de vista técnico, que podemos oferecer aos nossos doentes, está de acordo com o melhor estado da arte a nível mundial. O problema é que tratar doentes não é só estar habilitado a desempenhar uma cirurgia de ponta. O desempenho do cirurgião é apenas uma parte da solução. É importante assegurar uma educação para a saúde que previna problemas, guie o doente a um especialista e abafe o disseminar de ideias pré-concebidas, que o afastam da solução e o encaminham ao encontro de charlatões e oportunistas. Esse é um problema a debelar. Promover melhores condições de trabalho, melhor alimentação, melhores estilos de vida, tudo isto é tratamento e seguimento de doentes com patologia da coluna e é aqui que temos um caminho a percorrer.
Por fim, mais dois problemas: a homogeneidade de acesso aos melhores cuidados ao longo do território nacional e a homogeneidade na excelência da prestação desses cuidados. Existem ainda discrepâncias significativas entre as populações do Interior e do Litoral.
Quais os próximos passos a dar?
MC – Melhorar a formação… e passamos ao ponto já abordado atrás. Médicos atualizados e treinados são médicos competentes. Doentes informados são doentes que contribuem ativamente para a prevenção e recuperação dos seus problemas. No seu conjunto ambos contribuem para uma melhor saúde. É essa, por isso, quanto a mim, a principal missão da nossa Sociedade.
O que gostaria de ter feito, enquanto presidente da SPPCV, mas que não teve oportunidade de concretizar?
MC – Definimos objetivos iniciais e cumprimos quase todos. Ficou por cumprir a realização, pela primeira vez em Portugal, do Advanced Spine Certification da EuroSpine – Iberian Diploma. A pandemia não o permitiu, mas será já para o ano.
Que desafios deixa para o próximo presidente?
MC – Um desafio enorme será o crescimento político da nossa Sociedade. Político no sentido da nossa Sociedade conseguir ter uma voz ativa perante os órgãos de decisão política nesta área. Seja na relação com a Ordem do Médicos, com o poder político ou com as instituições privadas e seguradoras, que são primordiais na definição das estratégias de saúde nesta área e na melhoria das condições para doentes e, também, para os profissionais de saúde.
A nível pessoal, como foi a experiência de presidir à SPPCV?
MC – Apesar de, ao longo da minha vida, me ter envolvido ativamente da vida de várias sociedades médicas, das quais faço parte, exercer as funções de presidente de uma sociedade tão dinâmica como esta foi uma ótima experiência.
Acima de tudo foi muito gratificante a forma como soubemos trabalhar em equipa. Fizeram parte da minha Direção um conjunto de pessoas empenhadas, dinâmicas, briosas, que apesar da sobrecarga das rotinas das suas vidas, se dedicaram, pro bono, muitas vezes, noite fora, para que todos estes projetos pudessem ser concretizados, em prol de todos nós.
Uma palavra muito especial de apreço e obrigado pelo trabalho do Dr. Jorge Alves e da Dra. Carla Reizinho, meus vice-presidentes e organizadores de dois memoráveis congressos da nossa Sociedade, e à nossa secretária Cristiana Mota, pelo apoio incansável, a qualquer hora, uma peça mestra que mantém toda a engrenagem a funcionar.
Uma última palavra de obrigado ao Dr. Nuno Neves, presidente eleito para o próximo biénio, também pelo seu empenho e dinamismo, e de boa sorte, para o seu mandato. Votos de muitos sucessos e apelo a que todos nos unamos à volta da nova Direção, para que a Sociedade continue, cada vez mais, a cumprir o seu propósito.