A dor começou num momento triste. Quando, cumprindo uma tradição de que nem gosta particularmente, o Ricardo foi chamado a ajudar a transportar o caixão no funeral do avô materno. Começou como uma fisgada na nádega, que parecia prender o avançar da perna esquerda. A evolução foi rápida, acompanhada por formigueiros em toda a perna.
Inicialmente, ignorou. Não era altura para pensar em si próprio. Mas a dor persistiu, uma dor interna, que se assemelhava a um garfo a espetar na nádega, coxa e perna. Inicialmente, recorreu a automedicação com anti-inflamatórios e analgésicos. No entanto, a dor não cedia. Finalmente, procurou um amigo que era Ortopedista e que lhe solicitou uma ressonância da coluna lombar. As semanas foram passando e ele saia cada vez menos de casa, desconfortável de pé ou sentado. A medicação foi sendo aumentada gradualmente até andar num permanente estado de sonolência.
O diagnóstico foi claro: hérnia discal L5-S1 esquerda.
Determinado, procurou a opinião de 3 cirurgiões de coluna. A opinião foi unânime: após 2 meses de evolução e face à persistência da dor mesmo com a medicação, a cirurgia era inevitável!
Ricardo escolheu o cirurgião que lhe inspirou mais confiança, não sabendo se tecnicamente seria melhor, se teria melhores resultados, menores complicações… As preocupações de alguns familiares eram compreensíveis; eles tinham ouvido falar de casos em que cirurgias não tinham corrido bem. No entanto, a dor insuportável não permitia adiar mais a intervenção. Além disso, como aluno de recém-licenciado em Medicina, Ricardo tinha estudado que a cirurgia era segura e que, em casos como o seu, o tratamento cirúrgico era aquele que proporcionaria maior qualidade de vida.
Lembra-se de esperar no quarto do Hospital que viessem buscá-lo para o bloco e de empurrarem a sua cama pelos vazios corredores do Hospital. Lembra-se de toda a animação ao chegar ao bloco, música jazz em pano de fundo, enfermeiros bem dispostos, uma anestesista brincalhona. Mesmo assim adormeceu inquieto.
Acordou no recobro e a primeira coisa que fez foi mexer as pernas. Ainda mexiam. Voltou a adormecer.
Acordou mais tarde, já no quarto, com a namorada e pais ao lado. Tudo tinha corrido bem. No dia seguinte levantou-se, e sentiu-se mais alto. Há meses que não conseguia estar de pé sem estar inclinado para a frente. Dois dias depois teve alta.
Os primeiros dias não foram fáceis. Já sem dor na perna, continuava com desconforto na região lombar, não conseguia estar sentado durante muito tempo. Ricardo seguiu religiosamente as instruções do cirurgião. Às duas semanas retirou os pontos, revelando uma cicatriz no centro da coluna, uma marca que permanece até hoje. Iniciou o trabalho duas semanas após a cirurgia, mesmo ainda sentindo dor. Era o início do Internato do Ano Comum, a sua primeira experiência profissional como Médico. Não podia dar-se ao luxo de ficar de baixa nessa fase crucial da sua vida.
Sentiu necessidade de contactar o cirurgião algumas vezes nos meses seguintes. Os livros não têm detalhes sobre o pós-operatório, tornando difícil saber quais as dores expectáveis, e o que poderia ser sinal de uma complicação. O retorno à atividade desportiva foi mais demorado do que esperava. Após a primeira corrida teve intensas dores lombares e precisou de duas semanas para tentar novamente algum exercício. A época de polo aquático tinha terminado e não conseguia imaginar o regresso na época seguinte.
Hoje passaram-se 20 anos. O Ricardo é Ortopedista e cirurgião de coluna. Nos tempos livres pratica corrida – 10km, uma meia maratona… sonha com a sua primeira maratona.
A evolução da cirurgia de coluna nestas 2 décadas foi notável. Ocorreram avanços extraordinários em técnicas cirúrgicas e tecnologias, tornando os procedimentos mais seguros e eficazes. Muitas das cirurgias anteriormente realizadas com grandes incisões podem agora realizar-se por técnicas minimamente invasivas, com menor dano para os tecidos e com altas hospitalares e recuperações mais rápidas. A colocação de implantes é cada vez mais exata, fruto das inovações em técnicas de planeamento cirúrgico, monitorização dos doentes, inteligência artificial, navegação e robótica. Em Portugal, temos assistido à rápida adaptação e implementação desses avanços na área da cirurgia de coluna.
A história do Ricardo é um exemplo de como a cirurgia de coluna serve para melhorar a qualidade de vida das pessoas e até para inspirar carreiras futuras. O desafio, a esperança e a superação continuam a ser a mensagem mais importante dos Médicos e da Medicina. A cirurgia de coluna em Portugal e em todo o mundo tem percorrido um longo caminho, permitindo diminuir o impacto que a patologia da coluna tem para as pessoas e para a sociedade. Com profissionais dedicados e avanços contínuos, o futuro é promissor para todos aqueles que enfrentam problemas na coluna e procuram uma vida plena e ativa.
Prof. Doutor Ricardo Rodrigues Pinto
Ortopedista, Cirurgião de Coluna
Secretário-Geral da Sociedade Portuguesa de Patologia da Coluna Vertebral